Cultura Hot: Contratar é preciso!

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Formular e assinar um contrato de prestação de serviço é uma providência básica e necessária para evitar frustrações na hora de construir seu hot ou custom 

Texto: Victor Rodder
Fotos: Divulgação

Contratar é preciso!

Venho ensaiando escrever um artigo como este já há algum tempo, mas sempre fiquei um pouco relutante, já que o assunto, além de polêmico, não tem exatamente a ver com “Cultura Hot”. Mas o fato é que tenho visto cotidianamente pessoas do meu relacionamento próximo passarem por algumas situações bem difíceis durante a construção de hots e customs. Situações que, tenho certeza, seriam muito mais fáceis de lidar se uma providência básica tivesse sido tomada: formular e assinar um contrato de prestação de serviços.

Para quem não sabe, dentre minhas múltiplas áreas de atuação, está a jurídica. Sou formado em Direito, trabalho na área e sou diretor jurídico de um dos clubes mais tradicionais do Brasil, o Curitiba Roadsters. Assim, trazendo para as páginas da Hot Rods um pouco da minha experiência pessoal e profissional, acho que posso contribuir um pouco para que todos nós, envolvidos no universo dos antigos modificados, possamos dar uma melhorada geral no mercado, que, convenhamos, está cheio de “picaretas”, sejam eles fornecedores ou clientes.

E, antes mesmo de falar especificamente do contrato, quero ressaltar que este artigo é dirigido tanto para quem consome produtos e serviços, quanto para quem vende e presta serviços.

Segurança para todos

Muitas pessoas, infelizmente, ainda enxergam o contrato como uma ameaça, uma armadilha. Mas, na verdade, o contrato é, em termos gerais, uma garantia e uma segurança para todos. E quanto mais detalhado ele for, melhor.

Vou tentar ser o mais claro possível aqui, e fugir do “juridiquês”. Para isso, não posso me aprofundar muito em questões técnicas, então vou resumir bem, e tentar expor o básico.

Primeiramente, temos de ter em mente que contrato não é apenas aquele amontoado de letras miúdas, que juntas dão preguiça só de olhar. Um orçamento, um e-mail, um “whatsapp” e até uma conversa são formas de contrato. Desde que tudo fique claro, ajustado, bem especificado, com condições de prazo e pagamento, e aprovado por ambos, é uma forma válida de contrato.

O problema de hoje é que as pessoas esquecem com facilidade dos detalhes. Não podemos mais selar um acordo verbal com um simples aperto de mãos, como nossos bisavós faziam. Por isso, para que todos os envolvidos nessa extensa série de providências, que são necessárias para construir ou manter um hot estejam protegidos, quanto mais claro, específico e detalhado for o contrato, melhor.

Cifras elevadas

Todos sabemos que essa brincadeira de “carro antigo” está cada vez mais cara e inacessível, e que envolve cifras elevadas. Isso significa que um número cada vez menor de pessoas “despreparadas” estará nesse meio. É brincadeira de gente grande.

E, mesmo assim, sendo os envolvidos no universo dos veículos especiais, em sua esmagadora maioria, pessoas que lidam no seu dia a dia com contratos, na hora de fazer o serviço ou comprar o carro ou a peça, esquecem que não podemos mais simplesmente confiar no “fio do bigode”.

Por inocência, preguiça ou até mesmo desconhecimento, acabam se incomodando. Uns mais, outros menos, mas correm o risco de acabarem insatisfeitos. No mínimo, vão se queixar para os amigos. É o cliente que não paga direito, que atrasa na hora de trazer as peças, que pede condições de pagamento e exige demais do profissional, ou aquilo que mais ouvimos nesse meio: o profissional que enrola para terminar o serviço, que entrega uma peça/serviço/carro diferente do que foi combinado, que não dá assistência, não dá garantia, ou que, muitas vezes, estraga peças e carros que são insubstituíveis.

Mas como resolver isso? Com certeza não é o contrato que vai ser a solução para esses problemas, mas vai ajudar bastante.

Para quem vende peças no varejo, em pequenas quantidades, ou presta pequenos serviços, realmente é exagero fazer um contrato para cada negócio realizado. Mas quando as coisas começam a envolver mais tempo, mais peças, mais serviços e, principalmente, mais dinheiro, o contrato é fundamental.

Lado frágil

Nessa relação, cliente/consumidor X fornecedor, por incrível que pareça, o lado mais frágil é sempre o empresário. E por isso me espanta tanto não serem estes os primeiros a exigirem um contrato. O Código de Defesa do Consumidor é um dos instrumentos de defesa contra os “maus profissionais” mais modernos do mundo. E se você acabar respondendo um processo com base no Código de Defesa do Consumidor, se prepare para o pior!

Está certo. Não adianta ter um código que seja referência mundial, quando os órgãos de defesa são enfraquecidos, o sistema judiciário está abarrotado de processos e o consumidor continua sendo lesado. É uma incoerência. Mas isso é tema para outra discussão. Vamos voltar ao contrato.

Para que todos estejam protegidos nessa relação que se inicia na compra ou contratação de serviços, o contrato é essencial. Se você tem um advogado de confiança, ou mesmo aquele amigo advogado (quem não tem?), é hora de falar com ele. Investir um pequeno percentual do valor do que você pretende gastar no seu antigo sobre rodas é sempre um bom negócio. E se você é quem vai prestar o serviço, mais importante ainda! No mínimo faça um modelo, um contrato padrão, e gaste uma vez só.

Eu sempre recomendo que esses contratos sejam feitos ou revisados por um advogado. Mas, na impossibilidade de fazer isso, como você poderá preencher ou identificar um contrato, e em especial, um bom contrato?

 

Dicas básicas

Para isso, vou dar aqui algumas dicas básicas para formulação e análise de um instrumento simples. De cara, é importante dizer que não existe um modelo de contrato único ou uma receita pronta. Para cada tipo de serviço prestado, para cada compra ou situação contratada, deve-se redigir um contrato diferente.

Mas alguns elementos devem estar sempre presentes, e são eles que darão a segurança que se espera desse tipo de “acordo”, que, eu recomendo, seja sempre feito por escrito, e assinado.

Como exemplo, vou trazer aqui um contrato de prestação de serviços de funilaria. Algo que eu mesmo redigi para um serviço que contratei.

Em linhas gerais, o contrato deve trazer a identificação de ambas as partes, sobre o que essas pessoas estão contratando, os direitos e deveres de cada um, os prazos de conclusão dos serviços, a forma de pagamento, as penalidades ou multas aplicadas por descumprimento do contrato, a forma de rescisão do contrato, e ainda uma seção para explicar outras condições necessárias.

O contrato deve começar identificando os envolvidos na prestação de serviço ou na compra venda: Nome, CPF, telefones para contato e endereço são informações básicas para que se saiba quem é quem, como encontrar e contatar a outra parte e, principalmente, onde seu advogado ou mesmo o “juiz” vai encontrá-lo, caso seja necessário.

Especificar o objetivo do contrato firmado é outra parte essencial. Deve-se sempre fazer constar que se prestará serviço X ou Y da forma A ou B. Escreva qual é o motivo de estabelecer o presente contrato. No meu caso, foi o contrato de prestação de serviços de lataria e pintura em um Oldsmobile.

Na parte seguinte do contrato, esmiuçar o serviço que se está contratando vai facilitar a vida de todos. Inclua aqui o máximo de detalhes possíveis, de forma que, depois, ninguém reclame ou se “esqueça de algo”. Quanto mais genérico for o contrato, pior. Vai dar margem à discussão e, se você for o prestador de serviço, está encrencado. No mínimo vai ficar mal falado! Por isso, tenha certeza de fazer constar exatamente o que está sendo combinado. Já diziam nossos avós: “o combinado não sai caro”. Mas tem que saber combinar!

Aqui vale um parêntese. Minha primeira experiência com a construção de um carro antigo foi péssima e, deixando de lado uma série de outros fatores que agora não vêm ao caso, foi a falta de “saber explicar” que atrapalhou muito. Na época eu não entendia nada de carros antigos, e de construção e reforma de um carro antigo, menos ainda. E a pessoa que estava prestando serviços para mim presumiu (erroneamente) que eu sabia!  Por isso, não tenha medo de escrever demais. Especifique mesmo: item por item. Coloque tudo que puder.

No contrato que estou usando de exemplo, quem fornecia os materiais era o prestador de serviços. Mas isso não é regra. Muitas pessoas preferem comprar os materiais. Isso evita, por exemplo, dúvidas com relação à qualidade do que será utilizado.

Prazo: essa é a parte importante de um contrato como esse. É onde a maioria dos projetos começa a dar errado. Por isso, um contrato feito por etapas é sempre mais aconselhável. Para minha sorte, tenho à minha disposição ótimos profissionais, mas se você não tem certeza de estar contratando com alguém que vai cumprir o estipulado, divida em “fases” o serviço. E isso vale para ambos os lados. Procure fazer coincidir pagamentos e execução dos serviços.

Prosseguindo, vem a parte que atinge nosso lado mais sensível: o bolso! E a dica anterior vale para este tópico também, qual seja: detalhe com precisão a forma de pagamento. Se haverá entrada, quando será paga cada parcela e o valor total do serviço.

Agora vem a parte das penalidades. Para que ambos os lados se obriguem ao cumprimento do estipulado, multas devem ser combinadas. Nossas leis não permitem multas superiores a 2% para casos de atraso no pagamento. Mas, para outros casos, existe a possibilidade de se estipular algo que chamamos de cláusula penal. Essa é uma “punição” que vale para ambos os contratantes, e vale para a quebra do contrato em qualquer situação. Aplica-se em geral. Significa dizer que, se combinou e não cumpriu, paga a multa. Normalmente essa penalidade é de 30% sobre o valor total do contrato.

Cláusula do bom senso

Logicamente existem situações que são inesperadas, que estão além do esforço e da boa vontade dos contratantes, e que podem influenciar diretamente na execução dos serviços. A isso se chama de “excludente por caso fortuito ou força maior”. Em síntese, essa é a cláusula do bom senso. Se ambas as partes são pessoas sérias, idôneas, e que não estão querendo obter vantagens indevidas, será fácil identificar esses casos.

Por fim, existe um campo para assinaturas dos envolvidos, quantos forem eles. O contrato deve também estar datado, com local, dia, mês e ano da contratação. Os envolvidos devem rubricar todas as páginas do contrato, mostrando que leram e estão de acordo com as informações contidas nele, e assinar todos e todas as vias.

Como eu disse antes, contratos também podem ter formas mais modernas, e até mesmo os contratos “online”, ou seja, por meio eletrônico, e-mail, etc, também têm validade desde que os envolvidos expressem claramente que estão cientes e de acordo com o que foi combinado, dando seu aceite nas mensagens.

Não são necessárias testemunhas. Porém, se estas estiverem presentes e caso haja algum problema, no judiciário o tramite será mais rápido.

Finalmente é bom lembrar que quando desconfiamos que alguma coisa está errada, que algo não vai bem, normalmente não está mesmo!

Então, quando ler um contrato e não entender algo, ou discordar, converse sobre isso, esclareça! E faça constar por escrito esses esclarecimentos. Isso vai evitar muitos aborrecimentos no futuro.

Outra coisa a se mencionar é que, se você fez um contrato e no meio do caminho as coisas mudaram, coloque isso por escrito! Se o combinado foi feito (ou refeito) em uma conversa, mande um resumo do combinado por e-mail, peça a confirmação do recebimento, o “de acordo” da outra parte, salve o e-mail e de preferência já imprima uma cópia e guarde junto do contrato.

Tenho visto muitos clientes reclamando dos prestadores de serviço e vendedores de peças e vice-versa, mas pouca gente fazendo de fato algo sobre isso! E já passou da hora de tornarmos o mercado de hot rods e customs algo mais sério e profissional! Use sempre a regra do bom senso, se aconselhe com amigos e especialmente advogados antes de contratar e antes de reclamar. Certifique-se de que você não está errado ou sendo injusto, Mas se não estiver, por favor, não se cale. Procure seus direitos! Mesmo sem um contrato formal, eles existem!

E se depois de ler este artigo ainda restar alguma dúvida, ou se você não tem mesmo aquele amigo advogado, meu e-mail é victor.rodder@gmail.com!

VEJA TAMBÉM: Cultura hot rod em detalhes.

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