Em uma garagem emprestada nasce a oficina N&A Garage: primeiro projeto consagrado é uma picape “Boca de Bagre” com mecânica de 315 cavalos e muito estilo
Texto: Bruno Bocchini
Fotos: Ricardo Kruppa
Boca de Bagre
Nem todos os velhinhos têm cabelo branco. Ao resgatar a história das picapes no Brasil há, claramente, uma distinção entre idade e vocação. A C-10 surgiu em 1974, quando substituiu as Chevrolet C-14 e C-15, lançadas dez anos antes, que se diferenciavam entre si somente pelas opções de chassi curto e longo, respectivamente. O modelo chegou a ser oferecido nas opções com ou sem caçamba, cabine dupla (duas portas e capacidade para seis ocupantes), além das séries bélicas destinadas ao Exército e à Marinha, sem teto rígido e com para-brisa basculante.
A C-10 era a preferida pelos agricultores e fazendeiros, valendo-se da vocação para o trabalho pesado. Já a picape Chevrolet 1954, conhecida no mercado pelo apelido de “Boca de Bagre”, mantinha aquela filosofia dos caminhões introduzidos em 1947 e se valia da robustez escondida entre os “cabelos brancos”, já que, além do espírito ruralista, havia a força do estilo urbano e clássico para banqueiros exibirem as linhas invocadas no trajeto ao trabalho e, mais ainda, fazendo pequenas viagens com a família. É como se a Chevrolet 1954 tivesse orgulho das “madeixas brancas” e a C-10 preferisse tintura.
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Um duelo de gerações
Nilo Fedorovicz, 43 anos, técnico em mecânica e morador de Curitiba (PR), se orgulha em não esconder a idade da sua “Boca de Bagre”’. Apaixonado por automóveis antigos desde que morava no interior do Paraná, ele imaginou, ao dirigir pela primeira vez um modelo C-10, que um dia iria conquistar um clássico na garagem. “Sempre foram carros divertidos e quando comprei em 2006 uma Rural Willys 1968 totalmente original percebi que era muito prazeroso também curtir esse tipo de carro com a família”, lembra Nilo. A compra da Chevrolet 1954 foi ao acaso, uma vez que o objetivo de Nilo era a aquisição de um exemplar Ford Sedan 1937. “Após ter negociado o 37, um vizinho comentou que havia uma picape Boca de Bagre fazendo revisão de freios em uma oficina.
Como sabia que ele gostaria de comprar o carro e estava empolgado, decidi comprar essa Chevrolet para revender a ele. Não deu certo, quando retornei para Curitiba com o carro esse meu amigo havia acabado de comprar um imóvel. Acabei ficando com a picape”, conta. Além do Ford duas portas 1937 e da Chevrolet 1954, Nilo também é proprietário de um GMC 1953, que aguarda restauração. Embora tenha apreço pela Boca de Bagre, já sabe que terá uma difícil ação pela frente. “Se eu pudesse ficar com todos os carros, com certeza jamais venderia algum, mas como moro em condomínio não tenho como ficar com mais de um carro antigo na garagem, pois tenho meus carros para uso diário, então quando aprontar meu outro antigo terei que me desfazer da picape”, aponta.
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Tão perto, Tão longe
O charme “grisalho” da Chevrolet 1954 começou em uma garagem emprestada. Nilo conta que gostaria de restaurar carros antigos e, a partir da compra de um Volkswagen Fusca 1984, decidiu reunir um amigo e compartilhar da ideia. “Encontrei com meu amigo Adriano Domingos e falei da vontade em trabalhar com restaurações. Nós não tínhamos experiência e decidimos estudar, pesquisar em livros e revistas até chegarmos ao aprimoramento. Sempre trabalhei com caldeiraria e tenho muito conhecimento em chapas de aço, já o Adriano atua com usinagem. Não foi difícil para seguirmos esse caminho”, explica.
Com dois projetos pessoais encaminhados, do Fusca e da picape, Nilo conseguiu espaço para a oficina com a sogra de Adriano. “Não havia lugar para restaurar os carros e a Dalva, mãe do Adriano, gentilmente cedeu uma garagem da chácara em que ela mora para realizarmos nosso sonho”. A Boca de Bagre inaugurou os trabalhos da dupla. As ações se concentraram na instalação de um motor GM 350 da Oldsmobile com 315 cavalos originais e alimentação de um carburador Holley 650 cfm.
Para completar, Nilo e Adriano optaram por uma caixa de câmbio automática TH 350 com três marchas, diferencial emprestado do modelo americano C-10. O destaque também ficou por conta do trabalho caseiro na suspensão dianteira independente do Ford Mustang II e na traseira com molas do modelo Blazer. No interior do veículo, o estofamento em couro manteve o plano original da Chevrolet, com volante restaurado e pintado na cor do estofamento, botões e instrumentos originais e acabamentos cromados.
“A maior dificuldade foi encontrar o rádio original, mas na maioria das vezes o problema é importar as peças, pois demora muito. Dentro da picape nossa única alteração fora dos padrões foi substituir a coluna de direção para deixá-la mais confortável”, define. As rodas de ferro seis furos aro 16, com calotas originais e calçadas em pneus Bridgestone Turanza 235/60/16 tanto na dianteira como na traseira, somam a estética da Boca de Bagre com a pintura Dupont: a cor escolhida foi a “Red Alert” da Nissan feita em poliéster e com dez demãos de verniz para dar acabamento perfeito.
A caçamba também mereceu atenção, já que foi fabricada em madeira de angelim envernizada com acabamentos cromados e assoalho sem detalhes de parafusos expostos. “Toda a parte de funilaria sempre dá trabalho, mas fazendo aos poucos tudo funciona bem. A picape tem muitos detalhes, agora só falta colocar o ar-condicionado e ela estará completa”, sugere. Seja nas mãos de Nilo, ou na garagem de outro entusiasta, a Chevrolet 1954 talvez nunca permita fugir das origens, uma vez que – ao contrário da C-10 – ela tem uma história de luxo e encanto distribuída em rugas forjadas pela memória. “É uma picape que mexe com a gente, dificilmente sai do nosso imaginário. Espero que, se precisar mesmo vendê-la um dia, o próximo comprador cuide bem dela”, diz Nilo. Que assim seja feita a vossa vontade!
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