Texto: Bruno Bocchini<\/em> Projetar um autom\u00f3vel para os pr\u00f3ximos 50 anos \u00e9 desenhar sem l\u00e1pis. A substitui\u00e7\u00e3o do volante pelo computador de bordo, interagindo com as informa\u00e7\u00f5es do GPS e dos transmissores instalados nas vias, far\u00e1 com que o carro seja conduzido sozinho. Sensores evitar\u00e3o acidentes e, em toda a rota, indicar\u00e3o curvas e aproxima\u00e7\u00f5es com outros ve\u00edculos.<\/p>\n A cabine parecer\u00e1 uma sala de visitas e os ocupantes poder\u00e3o contemplar paisagens pelas janelas panor\u00e2micas -\u2013 algo como uma sala de reuni\u00f5es no topo de um edif\u00edcio envidra\u00e7ado. E o motor el\u00e9trico alimentado por c\u00e9lulas solares garantir\u00e1 a aus\u00eancia de polui\u00e7\u00e3o. Para qualquer crian\u00e7a, a ideia \u00e9 um sonho e parece oferecer encanto. Mas os saudosistas s\u00f3 conseguir\u00e3o resumir o futuro veicular em uma palavra: t\u00e9dio. Representante da cultura Hot Rod, Cleverson Morais, 39 anos, \u00e9 propriet\u00e1rio da oficina especializada em restaura\u00e7\u00e3o de antigos Nen\u00ea NHRA, localizada em Curitiba (PR).<\/p>\n \u00c9 neste espa\u00e7o que ele fortalece o segmento, sem medo do que vir\u00e1 no futuro, para satisfazer propriet\u00e1rios de carros cl\u00e1ssicos e, claro, somar doses de alegria para si. Este Ford T-Bucket 1923 \u00e9 um exemplo de como as caracter\u00edsticas do passado podem ser revividas com (quase) pouca moderniza\u00e7\u00e3o \u2013 mantendo o tradicionalismo invicto. \u201cEscolhi esse T-Bucket por v\u00e1rios motivos. Era um sonho antigo montar um carro como esse, mas queria algo diferente dos demais, com muitos detalhes cromados e a pr\u00f3pria pintura brilhante\u201d, explica Cleverson, conhecido pelo apelido de Nen\u00ea. Empres\u00e1rio do ramo de hot rods, Nen\u00ea fabrica kits de chassis e suspens\u00f5es para modelos, algumas de suas especialidades. Os servi\u00e7os tamb\u00e9m contemplam muscle cars.<\/p>\n \u201cN\u00f3s fazemos aqui servi\u00e7os gerais em modelos hot, diversos antigos e tamb\u00e9m muscles. Adoro conceber a constru\u00e7\u00e3o de cada carro, mas \u00e9 claro: dizer que n\u00e3o vendo os meus autom\u00f3veis \u00e9 dif\u00edcil, para tudo tem um pre\u00e7o\u201d, brinca.<\/p>\n Reaprendendo da dirigir<\/strong><\/p>\n Se voc\u00ea acha que o modelo Ford T foi o primeiro autom\u00f3vel do mundo, engana-se. Esse m\u00e9rito \u00e9 do alem\u00e3o Karl Benz que, em 1886, criou o primeiro autom\u00f3vel movido a gasolina, o Patent-Motorwagen. A raz\u00e3o pela qual o Ford foi eleito em 1999 o \u201cCarro do S\u00e9culo 20\u201d por especialistas de todo o mundo \u00e9 que ele foi pioneiro na produ\u00e7\u00e3o em s\u00e9rie, a partir de 1913, gra\u00e7as \u00e0 vis\u00e3o de seu criador, Henry Ford. A revolu\u00e7\u00e3o do T repercute at\u00e9 hoje em qualquer lugar. Um exemplo nacional mais pr\u00f3ximo para entender a revolu\u00e7\u00e3o que o autom\u00f3vel da Ford causou: em maio de 1919, come\u00e7ou a montagem do T na rua Flor\u00eancio de Abreu, em S\u00e3o Paulo, com investimento de 25 mil d\u00f3lares. Os 12 funcion\u00e1rios, \u00e0 \u00e9poca, conclu\u00edram 2.447 unidades naquele ano.<\/p>\n J\u00e1 em 1921, a empresa foi para uma linha de montagem completa na rua S\u00f3lon, no bairro do Bom Retiro. Tr\u00eas anos depois, os 124 empregados produziam 40 ve\u00edculos ao dia, ou 4.700 carros. Era o in\u00edcio de um estilo que transformaria o modo de como as pessoas enxergariam o carro no cotidiano \u2013 n\u00e3o apenas como um ve\u00edculo de locomo\u00e7\u00e3o, mas que tamb\u00e9m pudesse liberar sentidos e prazeres. E a vers\u00e3o T-Bucket nada mais \u00e9 do que a inspira\u00e7\u00e3o da carroceria do modelo T, mas recortada para trocar o classicismo pela esportividade \u2013 \u201cBucket\u201d, que do ingl\u00eas sugere a palavra \u201cbalde\u201d. Uma carroceria vazada no melhor da escola hot rod.<\/p>\n Refer\u00eancias induzidas <\/strong><\/p>\n Nen\u00ea procurou inspira\u00e7\u00e3o na hist\u00f3ria do T-Bucket para criar o pr\u00f3prio \u201cinstrumento de divers\u00e3o\u201d. As refer\u00eancias, desde a estrutura da carroceria ao processo de produ\u00e7\u00e3o artesanal, garantiram virtude ao \u201cbalde\u201d representado em cima das quatro rodas. A mec\u00e2nica escolhida foi herdada de um Plymouth 1957 e trata-se do motor 6 cilindros flathead. Para caracterizar o \u00edmpeto do \u201cFordinho\u201d foi constru\u00eddo um coletor de admiss\u00e3o com tr\u00eas carburadores, coletores de escapamento cromados feito sob medida, c\u00e2mbio de tr\u00eas marchas com acionamento mec\u00e2nico e diferencial Braseixo.<\/p>\n Os detalhes podem ser conferidos at\u00e9 no cofre: motor, c\u00e2mbio e diferencial tamb\u00e9m contam com pintura especial brilhante na cor dourado. \u201cS\u00e3o v\u00e1rios cuidados com cada parte do T-Bucket. Al\u00e9m das pinturas outro grande diferencial do projeto \u00e9 a instala\u00e7\u00e3o da coluna de dire\u00e7\u00e3o na vertical, bem diferente dos modelos que costumamos ver nas ruas. O tanque de combust\u00edvel feito em alum\u00ednio fica escondido atr\u00e1s do banco \u2013 sendo que o visor de n\u00edvel de combust\u00edvel est\u00e1 situado ao centro do banco\u201d, conta Nen\u00ea. A suspens\u00e3o tamb\u00e9m foi projetada por Nen\u00ea e confere eixo r\u00edgido cromado na dianteira e ladderbar com coilovers na traseira.<\/p>\n Como \u00e9 imposs\u00edvel resumir os detalhes apenas no interior do T-Bucket, Nen\u00ea aprimorou o exterior do cl\u00e1ssico com rodas dianteiras artesanais cal\u00e7adas em pneus Firestone de motocicletas Chopper. As rodas traseiras de medida 15×10\u201d da marca Rocket somam o del\u00edrio, mas \u00e9 a pintura especial feita em tons de laranja Calif\u00f3rnia da Ford que completa o enredo. \u201cToda a montagem foi dif\u00edcil, s\u00e3o muitos detalhes, volante feito sob medida, tamp\u00e3o em alum\u00ednio e outros tantos ajustes que v\u00e3o brigando com nossas ideias. Mas acredito que tudo foi feito com muita criatividade em v\u00e1rios finais de semana dentro da minha oficina.<\/p>\n Se voc\u00ea imaginar um cara feliz, sou eu\u201d, comemora Nen\u00ea. Ao passear pelas ruas e ver algum conhecido \u00e9 f\u00e1cil chamar aten\u00e7\u00e3o: basta acionar a corneta, tradicional buzina dos modelos T-Bucket, para cumprimentar o amigo no melhor do saudosismo fordiano. Se, no futuro, a buzina deixar de existir da forma como foi concebida, certamente Nen\u00ea n\u00e3o encontrar\u00e1 gra\u00e7a, j\u00e1 os netos…<\/p>\n
\n Fotos: Ricardo Kruppa<\/em><\/p>\n
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