Os cubanos, como ninguém, souberam incorporar às suas vidas e aos seus carros a máxima dos rat rods: rodar a qualquer custo e sem muito custo
Texto e fotos: Victor Rodder
Cuba
Cuba sempre foi um destino que me atraiu. E a razão, claro, é a quantidade de carros e prédios da década de 1950 que lá, imaginava eu, permaneciam preservados. Assim, com mais e mais notícias de que as aberturas econômica e política estariam se intensificando, com dois papas indo para se encontrem lá, com a visita de Obama e todo o burburinho que se fazia em torno da mítica ilha caribenha, o medo de que a modernidade tomasse conta do único país socialista do Ocidente, e um dos poucos do mundo, ao lado da China, da Coreia do Norte, do Vietnã e do Laos, tratei de intensificar meus planos de visitar esse pedaço de terra que imortalizou Che!
Em março deste ano consegui organizar as coisas e desembarquei em Havana, a maior cidade de Cuba e a capital do país, e passei 10 dias na ilha, indo até algumas outras cidades do interior e voltando.
Refrescando um pouco a memória de vocês, a história recente dessa sempre polêmica ilha é conturbada. Cuba e os cubanos desde sempre foram dados ao conflito, e o número de revoluções e revoltas é grande. Mas foi a Revolução de 1° de janeiro de 1959 que cravou definitivamente Cuba na história mundial.
Nessa data, após três anos de guerrilha, sob o comando de Fidel Castro, Raul Castro e Che Guevara, o exército revolucionário conseguiu derrubar o governo. E, para quem não sabe, no início a Revolução não tinha exatamente os mesmos contornos políticos que a levaram a ser pivô de uma das maiores crises atômicas até hoje vividas, pois foi somente após a tomada do poder, e algumas reviravoltas militares, que a revolução tomou rumos socialistas. As tendências de esquerda do grupo que tomou o poder desagradaram muitos países. Mas foram os crescentes conflitos entre o novo governo e os interesses norte-americanos que acabaram levando a CIA a patrocinar uma tentativa de golpe em 1961. Que, diga-se de passagem, foi um fiasco.
Os Estados Unidos eram havia muito tempo uma espécie de “padrinho” de Cuba, e não gostaram nada de ver o que estava acontecendo por lá. Por isso enviaram uma “força militar” treinada e financiada pelo governo Kennedy, composta por exilados cubanos para retomar o poder. Mas Fidel era mais esperto do que eles imaginavam, e o grupo mal desembarcou na Baía dos Porcos.
Tendo fracassado vergonhosamente em seu intento, e literalmente dormindo ao lado do inimigo, em 1962 os Estados Unidos conseguiram que Cuba fosse expulsa da Organização dos Estados Americanos (OEA) e sofresse um embargo econômico que perdura até os dias de hoje.
Porém, o tiro mais uma vez saiu pela culatra: em vez de a situação política cubana se alterar a favor do capitalismo, o governo cubano viu-se forçado a uma aproximação com a União Soviética, que mais do que depressa pediu, e conseguiu, autorização para instalar em território cubano mísseis nucleares soviéticos!
É… o bicho pegou! Kennedy reagiu duramente à estratégia militar soviética, que era sem dúvida uma enorme ameaça à segurança nacional americana. Numa verdadeira mobilização de guerra, os Estados Unidos impuseram um poderoso bloqueio naval à ilha, conseguindo por fim que os soviéticos desistissem de seus planos.
Mas por que estou contando isso? Porque foi em 1962 que o último recurso norte-americano conseguiu entrar na ilha, e nesse contexto incluíam-se os carros. Até então, Cuba era praticamente toda abastecida com manufaturas dos EUA, e sua frota era composta, na esmagadora maioria, de veículos vindos de Detroit.
É bom frisar que eu não tenho absolutamente qualquer simpatia pelo regime social e político que se instalou na Ilha. Nunca fui de esquerda e tenho grande admiração pela cultura norte-americana. Mas alguns dados impressionam: Cuba tem uma taxa de alfabetização de 99,8%, uma taxa de mortalidade infantil inferior à de muitos países desenvolvidos, e uma expectativa de vida média de 77,64 anos.
Porém a verdade não é outra senão que, social e economicamente, as escolhas políticas dos irmãos Castro levaram Cuba a um enorme colapso. E o que vi e vivi naquele, que deveria ser o paraíso na terra para qualquer rodder, foi decepcionante.
Faço questão de deixar bem claro que o que estou relatando aqui é minha opinião, minha vida, minha experiência, e que entendo perfeitamente que existem outros pontos de vista. Ocorre que voltei triste e frustrado. Além de ter ficado com a estranha sensação de que Cuba é aqui! O que o nosso governo está fazendo – e não falo de corrupção, mas dessa tentativa de “socializar tudo” e ficar dado “bolsa isso, bolsa aquilo” – vai em pouquíssimo tempo nos levar a uma realidade ainda pior do que a cubana, já que lá, pelos menos, eles têm mais saúde, educação e segurança que nós.
Mas não se engane quem pensa que lá tudo é maravilhoso. A esmagadora maioria da população vive em péssimas condições e sequer tem noção disso. Fala-se de nossas favelas no Brasil sem se dar conta de que vivem em verdadeiros cortiços. Dizem-se estudados, porém muitos graduados nunca chegaram nem perto de praticar o que acreditam ter aprendido na faculdade. E a segurança é uma lenda… Existe, sim, uma crescente onda de criminalidade, especialmente nas grandes cidades. A diferença é que lá, sem imprensa livre, eles conseguem abafar.
Quando Raul Castro assumiu o poder e iniciou a abertura econômica do país, o jeito mais rápido e fácil de incrementar a economia era incentivando o turismo. E, hoje, muitas (muitas mesmo) casas particulares são hospedagens, a grande maioria dos carros norte-americanos da década de 50 são táxis, e a prostituição rola solta e sem grandes problemas.
Eu precisei de poucos minutos sozinho nas ruas de Havana para receber ofertas de todos os tipos de drogas, sexo e lógico, charutos! Como Havana é o principal destino turístico de Cuba, nós, os turistas, somos alvo da cobiça daquele povo sofrido, que em sua maioria acha que explorar, enganar, se aproveitar de nós, é sua única salvação.
Preciso ser sincero em dizer que conheci algumas poucas pessoas muito boas, e fiz pelo menos uma grande amizade lá, com um taxista de nome Isac, que foi absolutamente incrível em sua simpatia, boa vontade e solidariedade! Tanto que nos correspondemos muito desde que voltei. Mas a grande maioria dos cubanos, pelo menos aqueles que conheci, não era assim.
Eu tive uma experiência ruim, confesso, e por isso não recomendo Cuba para ninguém. É um país muito caro, cheio de problemas econômicos e sociais, com uma cultura desgastada e com poucas atrações turísticas que efetivamente valem quanto cobram. Até o mojito é ruim. Em 10 dias, consegui achar apenas dois lugares onde o tradicional drink cubano era feito como manda o figurino. E olha que eu bebi muito em praticamente todos os grandes bares da cidade.
Mas e os carros?
Sobre os carros, finalmente falando agora dos carros, a triste constatação que tive é que os tão sonhados “yank tanks” estão sofrendo muito nas mãos dos cubanos. Pouquíssimos carros guardam sua originalidade, e isso é até compreensível. Mas as adaptações e reformas que são feitas… uma calamidade! Tudo bem… são pobres, as coisas são difíceis, não existem peças de reposição… mas nem no acabamento? Parece não haver qualquer cuidado na hora de soldar, remendar, pintar, adaptar. Vi coisas lá que eu jamais imaginaria. E olha que andei em “carro para turista” na maioria das vezes.
Vi poucos carros bem cuidados, e nem na praça central de Havana, onde supostamente um clube de autos antigos tem sua sede, “A Lo Cubano Car Club” http://www.alocubano.org/ vi bons veículos.
Lataria parece que é feita na marreta, as soldas são mal executadas e de longe dá para notar quando um carro foi cortado. E muitos foram, já que os conversíveis são mais procurados pelos turistas. Pintura, então… para quê? É luxo desnecessário ao que parece, e quando é feita, é para esconder algum podre muito feio. Isso sem falar no medo que dava andar com esses carros quando era possível acelerar a mais de 60 km/h. Tudo tremia e a todo momento eu ficava imaginando uma peça se soltando, uma roda caindo, a suspensão quebrando. E já que carros quebrados no meio da rua era uma cena mais do que normal, era difícil tirar essa ideia da cabeça.
Mas, como eu disse antes, tudo depende dos olhos de quem vê. O que para mim era um sacrilégio, para muitos pode ser a coisa mais incrível do mundo, principalmente se pensarmos que os cubanos, como ninguém, souberam incorporar às suas vidas, e aos seus carros, a máxima dos rat rods: rodar a qualquer custo e sem muito custo! É uma nação Rat Rod!
Destaques:
Nas muitas fotos que ilustram esta reportagem, algumas merecem destaque, como os “vidros elétricos” de um Chevy 52, com os comandos presos por cinta metálica, o para-choques traseiro de um Oldsmobile 88 feito com uma chapa dobrada, ou as rodas quebradas, os pneus quase rachando de tão ressecados, ou o moderno câmbio de um carro europeu num conversível à venda na praça central.
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