Técnica: Coupé era o nosso sonho

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Queria poder dizer que a hora dos quatro portas estava chegando, porém eles já se foram há muito tempo. Alguns derretidos, outros desmancharam em ferrugem

Texto: Manoel G. M. Bandeira
Fotos: Ricardo Kruppa

Coupé

No início dos anos 1980 ainda tínhamos uma quantidade considerável de carros “velhos” em uso no Brasil. Os antigos não tinham nem de perto o valor que têm hoje. É claro que carros de luxo e exemplares colecionáveis e raros sempre tiveram uma valorização maior.

Lembro-me que o tio da minha namorada, na época, estava terminando a restauração de dois carros. Um deles era um Impala 1961 conversível que pertencera ao rei… Não, não é o Elvis, mas a versão real da música brasileira, ele mesmo, o “rei” Roberto Carlos.

Esse Impala foi comprado por um valor equivalente a 10% do que custava um Fusca zero quilômetro à época. Quando ele o comprou, o carro estava todo desmontado e necessitava de uma restauração geral. Mas uma das coisas que me marcaram muito foi o que ele me disse sobre uma quantidade absurda de motores elétricos, para acionamento dos bancos, capota etc. É impossível imaginar o valor que poderia alcançar um carro desses hoje em dia.

O outro carro era um Packard 1948 conversível. O fato curioso é que só existiam dois exemplares desta marca e ano passíveis de restauração conhecidos pelos colecionadores. Um deles era esse conversível e o outro é um quatro portas em ótimo estado de conservação, que pertencia a outro colecionador. O detalhe é que o conversível estava com a frente destruída por um acidente no início dos anos 1970.

Durante alguns anos os dois amigos “brigaram” pelos carros. Cada um queria comprar o carro do outro, até que o dono do conversível conseguiu comprar o quatro portas e, enfim, montou o Packard 1948 conversível com seu imponente motor oito cilindros em linha. Esse carro levou a noiva no meu primeiro casamento, em 1981.

Coupe

Garimpo em ferros-velhos

O mundo dos colecionadores era fascinante, porém absolutamente fora das possibilidades de qualquer jovem de classe média que ousasse tentar ali uma aventura. Mas, como disse no início deste artigo, no começo dos anos 1980 ainda tinha muita coisa boa rodando ou encostada esperando um novo dono.

Eu era jovem e já me via absolutamente fascinado por carros antigos. Perto da minha casa, em uma esquina, ficou abandonado por muitos anos um Ford 1937 quatro portas modelo “slant back” (modelo de que eu mais gosto). Ele estava com a frente desmontada, para-lamas e capô jogados dentro do carro, ninguém queria, apesar de o carro estar em bom estado, afinal de contas ele era um quatro portas.

Eu havia entrado com tudo no mundo dos carros antigos, meu passatempo favorito era sair nas tardes de sábado com minha Turuna 125 cc pela periferia de Curitiba caçando, com meu olhar afiado, qualquer buraco que pudesse esconder um carro antigo. Vi muita coisa, algumas que impressionariam muita gente com menos de 30 anos.

O depósito de ferro-velho Eco era, sem dúvida, uma delas. Carros literalmente empilhados, andávamos por cima de modelos de Cadillac, Oldsmobile, Pontiac, Mercury, Chrysler, De Soto, Chevrolet e Ford, que estavam ali esperando a hora de seguirem para as fornalhas das siderúrgicas, virar arame ou ferro para construção.

Ninguém teve o bom senso de pensar em guardar aqueles carros. Há alguns anos estive no Uruguai e o que vi por lá me lembrou em muito os anos 80 por aqui. Muitos, mas muitos carros desmanchando sob a ação implacável do tempo.

Os donos dos ferros-velhos derreteram grande parte da nossa história. Mas para essa perda não existem culpados, era a cultura da época, era o progresso pedindo passagem.

Virei as costas a muitos carros bons. Um deles foi o Ford 1937 que descrevi acima, outro foi um Ford 1939 sedan, um Buick 1953 (o primeiro V8 “Nailhead”), um Oldsmobile 1950, entre tantos outros. Cheguei a comprar esses todos, mas vendi pouco tempo depois, afinal, nós gostávamos dos modelos coupé, os quatro portas não eram “bonitos”, não nos interessavam, éramos jovens.

Coupe

Resgate dos 4 portas

Hoje adoro os antigos de quatro portas. Um Chevrolet 1939, por exemplo, fica lindo customizado. Uma vez, ganhei um Studebaker quatro portas 1938 e nem fui buscar. O carro estava em muito bom estado, mas… era um quatro portas.

Olhar o passado e não pensar que deveria ter guardado alguns carros é impossível. Mas, por outro lado, seria mais ou menos como falar para você agora: “Por que você não compra uma Brasília, Chevette, Opala, Caravan, Corcel, e guarda em um galpão ou mesmo em um terreno, daqui a alguns anos estes carros serão raros e valiosos”. Infelizmente não é tão fácil assim.

A verdade é que as pessoas que buscam carros antigos ou hot rods buscam mais os desafios que esses carros representam. Quanto mais difícil e complicado for, melhor.

Queria poder dizer que a hora dos quatro portas estava chegando, porém eles já se foram há muito tempo. Alguns derretidos, outros desmancharam em ferrugem e alguns cederam suas partes para recuperar modelos mais atrativos, coupés ou conversíveis, carros de sonhos.

Mas quem gosta de carros antigos não desiste jamais, e as réplicas em fibra de vidro estão aí para ocupar o espaço que lhes cabe, alimentando sonhos e nos levando diretamente de volta a um passado que não queremos esquecer.

VEJA TAMBÉM: Ford Business Coupé 1951: PHARAOH.

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