Eram os designers de Detroit que recebiam suas ideias dos customizadores, ou eram estes que apenas misturavam o que havia de novo na indústria, juntando vários projetistas em um único carro?
T exto: Victor Rodder
Fotos: Reprodução e Cortesia/Barris Kustom Shop e Ford Motor Co.
Nem sempre é fácil encontrar um tema para esta coluna. “Cultura Hot” é um termo amplo e, ao mesmo tempo, restrito. Amplo porque tenho a liberdade de falar de carros, de música, de tatuagens, de arte… Mas, ao mesmo tempo, focar no aspecto histórico e temático da coluna é bem difícil, às vezes. Outro empecilho é, muitas vezes, a falta de informações. Tenho uns três artigos pela metade porque não consegui confirmar as fontes, ou faltam elementos para deixá-los completos. Aí, conto com a ajuda dos amigos lá da “gringolândia”, que nem sempre podem responder com a mesma agilidade que eu gostaria que respondessem…
Neste mês tive de parar mais duas matérias no meio. E aí fiquei sem inspiração! E o tempo foi passando, passando… Até que, quase na hora de fechar a revista, eu sem saber o que fazer, resolvi revirar umas revistas antigas e acabei encontrando um artigo muito interessante, de junho de 1956, que foi capa da extinta Rod & Custom.
A questão apresentada naquela edição era: “Quem está copiando quem?”. Eram os designers de Detroit que recebiam suas ideias futuristas dos customizadores de carros, ou os “leadsleders” que, na verdade, apenas misturavam o que havia de novo na indústria automotiva, colocando vários projetistas em um único carro?
A conclusão da matéria foi, em minha opinião, muito “responsável”, já que permitiu que tanto um projetista de Detroit quanto um customizador, no caso George Barris, compartilhassem suas opiniões sobre o assunto, deixando para que o próprio leitor decidisse.
Mas essa é uma dúvida que persiste até hoje… Acabou sem resposta. É óbvio que, naquela época, um grupo precisava do outro, e ambos se inspiravam claramente na indústria aeronáutica. Porém, para os “kustomizadores”, automóveis são como uma tela em branco, e as ferramentas sua paleta de cores. Eles criavam sem as amarras da indústria, que tinha que agradar uma grande quantidade de pessoas, tinha que vender. Os kustomizadores buscavam elegância, aerodinâmica, mas, principalmente, exclusividade. E, por isso mesmo, podiam ir mais longe. Mas não tenhamos dúvidas que eram duas faces de uma mesma moeda.
Mas, para que cada um de nós possa tirar a sua própria conclusão, trago aqui para vocês uma tradução livre e adaptada desse texto de quase 50 anos atrás! Antes só peço que contextualizem as coisas, lembrando que, naquela época, ainda havia muitos “coachbuilders”, ou seja, construtores de carrocerias, que faziam carros lindos de forma artesanal, juntando peças da indústria oficial e criando carros apenas de usa própria inspiração. Ainda, que a maioria dos “novos” projetos que chegaram em ‘49 tinham sido desenvolvidos durante a Segunda Guerra Mundial, já que, naquele tempo, para que um carro saísse da prancheta para as linhas de produção, eram necessários quatro anos ou mais.
Toda Detroit teve de ser convertida em uma enorme “fábrica de guerra” e voltar a produção para os produtos de consumo atrasou todos os projetos. Por isso, entre 1945 e 49, a indústria automotiva estava só requentando modelos pré-guerra. Era muito dispendioso se reequipar completamente. A Kaiser-Frasier, por exemplo, teve um ano de atraso para entrar no mercado por causa disso.
Não quero defender nenhum ponto de vista. A conclusão é de vocês. Mas, em meados dos anos 50, Detroit já estava “pau a pau” com os customizadores, lançando veículos mais baixos, elegantes e arrojados. E todos rodando fora do “showroom” e fornecendo peças e inspiração para equipar mais kustoms.
Carros customizados costumavam sempre pecar em algum quesito prático. Eram lindos, estonteantes, mas nem sempre convenciam como “transportes do dia-a-dia”. Já os carros das grandes montadoras, sempre tentando agradar uma gama muito grande de público, e ainda bater a concorrência, acabavam pecando pelo excesso ou a falta de elementos de design. O equilíbrio veio em meados dos anos 60, quando as ofertas de Detroit tinham se tornado “estilo” ao ponto que pouca “melhoria” era possível nos automóveis, fazendo com que a customização de automóveis “práticos” ou “possíveis de uso cotidiano” acabasse. A indústria da customização estava chegando ao seu fim, justamente porque não tinha muito para onde ir, e passaram a criar carros-conceito, que mais lembravam esculturas de arte moderna ou veículos de filmes de sci-fi.
Os show-cars da década de 60 são engraçados…
Mas, por outro lado, defendendo agora os kustomizadores, em uma entrevista de 1962, com Tom Wolfe, George Barris fala sobre uma visita que recebeu de um dos principais estilistas/projetistas da Cadillac. Barris ficou surpreso ao saber de quão perto Detroit estava seguindo seus passos, de olho em cada novidade, principalmente através das revistas de carro, principal meio de divulgação da época. Nesta visita em especial, a Cadillac estava especialmente interessada nos efeitos de pintura que os kustomizadores estavam alcançando, como o “candy apple”. Barris não ficou muito impressionado no início daquela conversa, pois o “espião” disse que era da revenda local da Cadillac. Mas quando finalmente George soube que o cara veio de Detroit para encontrá-lo… Uau! A realidade de Detroit era empresas roubando ideias de outras empresas. A espionagem industrial da época era quase que item obrigatório numa linha de produção, e onde quer que fosse possível incrementar os projetos, eles iam. E lógico que os kustomizadores não ficariam de fora. Diga o que quiser, mas mesmo que seu trabalho seja de apenas reunir peças de vários carros diferentes e criar um novo visual, combinar estas peças e tornar o conjunto harmonioso não é para qualquer um.
Vamos ao texto original! Enjoy!
“As páginas seguintes contêm fatos suficientes sobre “Detroit vs. Customizers” para iniciar uma guerra total. No entanto, devemos pedir ao leitor que pondere a situação com cuidado e, em seguida, decida por si mesmo. Lembre-se: apenas um dos autores está correto. Mas quem? Como os carros mostrados aqui, qual seria a verdadeira “matriz constituinte” e qual seria apenas um pouco mais do que imaginativo?
A elegante criação no topo deste artigo é, na verdade, um “kustom kustomizado”. É um dos carros da General Motors Motorama Show Car, que foi remodelado pela Barris Kustom Shop. Originalmente um protótipo, esse Cadillac monoposto, apelidado de “LeMans”, recebeu das mãos de Barris “barbatanas”, um meio-teto plástico e a acentuação de suas linhas, que já eram extensas e marcantes.Contrastando, está o cupê de competição abaixo. Construído para fazer o dobro de tarefas: como uma completa “máquina de corrida” e também como um carro de rua. O Departamento de Styling Avançado da Ford Motor Co. é responsável por este carro, que agrega funcionalidade e aparência. Batizado como “The Afuroe”, em razão do lago seco onde acontecem algumas competições, localizado a caminho da Califórnia, ele só existe como um modelo de gesso em escala 3/8.
DETROIT FALA…
Por Ken Fermoyle
Os estilistas de Detroit em particular não se ressentem da acusação de que eles copiam ideias dos customizadores. Eles simplesmente não prestam muita atenção a isso. Quando confrontados com essa situação, eles podem até responder que, por vezes, quem copia na verdade não são eles, mas sim os customizadores!
“Olha”, eles poderiam dizer, “características que aparecem em um determinado ano foram elaboradas um par de anos mais cedo. Quando aparecer um modelos 1957, já estaremos no caminho de terminar os projetos para 1959 e trabalhando nos de 1960 e além”. E isso é verdade. Detroit não consegue seus modelos já prontos para introdução no mercado da noite para o dia. E enquanto os designers estão amarrados nestes prazos e condições do mercado, os custumizadores podem aparecer com ideias que não vão aparecer em nenhuma outra produção por um ano ou mais.
E essas ideias de personalização poderiam muito bem ter sido inspiradas por “dream cars” de Detroit! A “Motor City” tem frequentemente exibido vários de seus carros “experimentais” a cada inverno, carros que têm toques de estilo que planejam utilizar no futuro. Não é incomum ver os customizadores correndo na primavera seguinte para lançar carros esportivos inspirados naqueles apresentados no inverno anterior. Então, quando os carros de produção saem, os proprietários e construtores de kustoms choram: “cópia!” Mas quem está copiando quem?
Os customizadores apontam para itens como saídas de escape embutidas no para-choque e dizem: “Detroit roubou essa ideias de nós e temos fotos para provar”. Então mostram uma imagem de um kustom construído em ‘52 ou ’53! A Cadillac usou essa ideia em 1952, o que significa que os carros foram introduzidos no final de 1951 – e foram projetados dois anos ou mais antes disso! Quantos customizadores tiveram essa ideia em 1949, ou antes? Naqueles dias um kustom quente mesmo era um cupê pré-guerra ou no máximo do início da época pós-guerra, com teto rebaixado, carroceria embutida no chassi e propositalmente cheio de chumbo em todas as partes, e que seria considerado como um “Mickey Mouse”.
Atualmente, Detroit tem muito respeito pelos bons customizadores (claro que isso não se aplica àqueles que acabam fazendo trabalhos mal concebidos, criando barcaças de chumbo impraticáveis que oferecem uma visão pobre, uma dirigibilidade pior; que são estruturalmente instáveis e inseguros; que vão desmontar no primeiro buraco, e, muitas vezes, apresentam acabamentos desleixados).
Na verdade, os estilistas muitas vezes invejam a liberdade dos customizadores. Em vez de ter que se comprometer em tentar agradar a todos, desde o forasteiro Frank ao conservador Carl e sua tia idosa Minnie, os customizadores podem se concentrar apenas nos desejos de um único indivíduo que está disposto a fazer alguns sacrifícios para conseguir o que quer.
Para começar com o tema de cópia: Tem sido dito muitas vezes que há pouca novidade sob o sol automotivo. Muito das chamadas “novidades” são apenas adaptações de coisas antigas. E é difícil chegar a uma ideia que não tenha sido inspirada por algo mais, quer seja do passado, de outros automóveis, da natureza, ou outras coisas relacionadas com os carros, como barcos e aviões, por exemplo. Portanto, não é estranho que os customizadores e estilistas, por vezes, cheguem a um resultado final semelhante.
Claro, Detroit é culpado de copiar. Eles se apropriaram de ideias de peixes, carros estrangeiros, pássaros, aviões a jato, barcos de velocidade, e talvez até mesmo dos customizadores. Uma boa ideia é uma boa ideia, não importa de onde venha. As lojas e oficinas de personalização deveriam estar orgulhosas se Detroit usa uma de suas ideias. Mas lembre-se que há uma grande quantidade de talento automotivo concentrada em Detroit. Um monte de homens muito afiados e que são bem pagos para trazer ideias que o público vai comprar. Você pode não concordar com tudo o que fazem, mas você deve se lembrar das limitações que eles têm ao trabalhar e os problemas que enfrentam. E antes que você os acuse de copiar, acho que deve olhar para o local de onde essas ideias “originais” realmente vieram. Essa mesma ideia pode ter sido inconscientemente apropriada a partir de Detroit mesmo – ou pode ter vindo da mesma fonte que inspirou um estilista de Detroit a usá-la inicialmente. Detroit não tem nenhuma desavença com os customizadores e os customizadores não devem ter nenhuma com Detroit. Onde eles estariam se Detroit não fornecesse a eles a matéria-prima?
Como uma experiência em gesso para testar as reações e ver como certas características aparecem “em carne e osso”, a Ford ofereceu este modelo 3/8, em 1953. Destaque são as caixas de roda prolongadas, o tratamento incomum do teto, a longa traseira e o design da grade.
…E BARRIS RESPONDE
Por George Barris
Um bom número de nós, customizadores, é da opinião, e provavelmente com razão, que os estilistas de Detroit estão pegando ideias dos “entusiastas de automóveis” e aplicando-as em seus modelos de linha de produção. Então, quando um carro novo é anunciado não demora muito para que eles apontem com orgulho para suas “ideias originais”. Isto pode até ser verdade em alguns casos, mas a originalidade do estilo de Detroit, e sua sabedoria nessa área, certamente não é tão abundante como as fábricas de automóveis querem fazer crer. Vamos focar em um caso ou dois para sermos mais objetivos. Vários anos antes da Segunda Guerra Mundial, os carros americanos eram quase universalmente abençoados com placas necessariamente descentralizadas, para que pudessem ser iluminadas por uma das lâmpadas de luz traseira. Inconformados pela falta de simetria, os customizadores imediatamente recolocaram a placa no centro da traseira do carro – iluminando-a por uma luz auxiliar devidamente instalada. E Detroit seguiu o exemplo. Mantendo-se um passo à frente dos designers, os customizadores agora resolveram colocar a placa embutida. E Detroit os seguiu mais uma vez – até o Chevy Corvette que, segundo se afirmou, seria um dos carros de produção com estilo mais avançado da América. Mais uma vez na vantagem, começamos a colocar a placa traseira no para-choque traseiro do carro para dar uma impressão de mais largura e menor altura. E Detroit seguiu o exemplo. Isso é coincidência?
Nas páginas anteriores você ouviu como Detroit planeja seus carros com anos de antecedência da sua real apresentação. Isto é compreensivelmente necessário, naturalmente. Mas se nós chegamos com uma ideia que vai aparecer nos carros de linha do ano seguinte, os estilistas dizem: “Claro, mas tivemos a ideia vários anos atrás, quando nossos carros ainda estavam nas pranchetas, assim fomos nós que tivemos esta ideia primeiro!”. Talvez sim – mas como poderíamos saber o que estava em sua prancheta e seria lançado no ano seguinte, como saber que nossos projetos eram semelhantes, quando os estúdios de estilo são mais difíceis de entrar do que o Palácio de Buckingham?
Olhe para os carros multicoloridos que estão rolando agora e que saem das portas de grandes fábricas? Até mesmo para os carros com três tons que os publicitários apontam com orgulho. Novidade? Nós já estávamos fazendo isso há muito tempo. Mesmo as cores berrantes que nós achávamos difícil de vender várias temporadas atrás, porque os clientes tinham medo que fossem muito brilhantes, estão sendo aplicadas em Detroit. Nós já tínhamos ido e voltado, fazendo coisas que os estilistas de cor não tinham sequer pensado ainda.
Não é incomum para um fabricante dar uma “levantada” na aparência externa do carro na virada do ano, mudando apenas os frisos externos. Eles percebem que a diferença na aparência geral do carro pode ser melhorada e conseguida com um investimento mínimo. Estávamos cientes do valor de pequenas mudanças, que deixavam os carros mais atraentes, muitas luas atrás. Tiramos – e acrescentamos – frisos de aço inoxidável, e Detroit referiu-se a isso como um “abandono selvagem”. Agora eles estão copiando.São semelhanças demais surgindo entre as inovações de Detroit e as antigas ideias dos customizadores. Tantas que até parece mesmo que estamos copiando Detroit. Mas olhe para os capôs mais achatados, “ideia pioneira” da Ford em ‘49, veja os acessórios operados por botões de pressão, as tampas de capô controladas eletricamente, as tampas de combustível escondidos, as linhas de teto mais baixas, as linhas da carroceria mais finas, os coletores de ar. Não, eu não tenho medo de dizer que somos nós que estamos “emprestando” nossas ideias para Detroit. A recente onda de “carros dos sonhos” tem, obviamente, sido responsável por nos dar a base para ideias e até mesmo para iniciar certas tendências. Esses chamados carros “ideia” são desenvolvidos e construídos para testar a reação do público. “Ouvintes” profissionais são colocados entre o público nas exibições para ouvir as observações feitas pelos espectadores. Depois notas são feitas e uma análise final compilada, as ideias são ou descartados, ou completadas, para uso futuro em carros de produção. Mas não existe melhor indicação da reação do público ao alcance de um fabricante, do que ter essas “avançadas ideias” emprestadas por customizadores, que por sua vez irão aplicá-las a carros customizados que já existem! E eu posso apostar que os projetistas esperam ansiosamente a chegada de um ou vários carros personalizados que incorporam ideias de estilo oferecidos pela primeira vez em show-rooms do fabricante. E se aparecerem como esperado, então você pode apostar que em breve essa “nova ideia” será encontrada em algum carro de produção em seguida, e a choradeira vai começar de novo. Ao contrário, se os entusiastas de carros personalizados apontam seus polegares para baixo, pode esquecer. Nada disso fará parte da tendência dos próximos carros.
Na verdade, nós não temos nenhuma discussão com o pessoal de Detroit. Sabemos que eles estão seriamente prejudicados pelas ordens que vêm da cúpula, que os custos devem ser mantidos dentro de limites, que há restrições legais definidas nas quais os projetos devem se encaixar. Mas ao menos Detroit poderia dar um pouco de crédito onde é devido!
SIMILARIDADES NO ESTILO
O carro de Barris, “Gold Sahara”, foi construído no final de ‘54 a partir de um Lincoln ‘53 demolido, e praticamente foi um soco no Mark II quando apresentou a tampa traseira com o desenho do estepe moldado na lataria. Como no “Connie”, a tampa do porta-malas do Gold Sahara levanta junto com o estepe, revelando a reposição que foi escolhida por dentro. A Ford Motor Co. também achou que a tampa do porta-malas, onde o pneu fica embutido, uma boa utilização como espaço publicitário, espalhando em toda sua área letras cromadas. Mais de um ano separa os carros.O Studebaker ’47 construído por Barris começou a ser feito em 1951, e saiu rodando da loja dois anos antes da “introdução” do airscoop sobre farol feita pela Pontiac. No entanto, ao contrário da versão feita nos carros de linha, o scoop do Stude é funcional.Em 1953, este Kaiser ’51 kustomizado se gabava de suas quatro saídas de escape embutidas. Ainda fora da linha de produção, as saídas do Cad Brougham são devidas a ele. Quatro anos após a sua introdução como um Ford 1941, este carro tinha sido remodelado, apresentando um capô mais liso e achatado, portanto, foram quatro anos antes dos primeiros modelos em 1949.