Saiba como era o panorama do movimento Hot Rod no Brasil em 1996. Acredite: muita coisa mudou, e para melhor!
Texto: Manoel G. M. Bandeira
Fotos: Ricardo Kruppa
Hot Rod
Aproveitei a ideia de uma revista americana sobre hot rods desde a década de 1960 e este mês vou falar sobre a minha visão do meio rodder no Brasil há 20 anos: o que acontecia em 1996. Você é meu convidado para embarcar nesta pequena viagem no tempo.
Antes de programas de televisão como American Hot Rod, Riddes e tantos outros, que difundiram largamente a cultura Hot Rod pelo Brasil, chegarem por aqui, construir um hot no Brasil era tarefa muito difícil e pouco compensadora. Poucos se arriscavam a investir um dinheiro que quase sempre não retornava na hora da venda.
O comércio de carros antigos era restrito a praticamente o intercâmbio entre clubes e uns poucos aventureiros autônomos que, por gostar muito de garimpar geralmente no interior do país, ainda arriscavam seus investimentos na compra de um ou outro exemplar, pensando em lucrar na hora da venda.
A importação de peças era difícil e cara. Você acha que isso não mudou nada com o tempo não é? Mas acredite, mudou muito. Se você acha que hoje é difícil conseguir peças e componentes para montar seu hot rod, pense que, em 1996, não existiam lojas com peças importadas, não tínhamos a internet como temos hoje, buscadores e sites de pesquisa. Conseguir catálogos de peças e acessórios dependia de alguém que estivesse em viagem aos EUA e se dispusesse a procurar e a trazer catálogos impressos das grandes lojas americanas.
A questão das peças ainda era o menor dos problemas. Conseguir um modelo que lhe agradasse e que estivesse em estado de conservação razoável, tornando viável a recuperação, era bastante complicado.
Modelos cupê ou sedã duas portas eram raríssimos, geralmente já estavam na mão de colecionadores. Muitos deles estão até hoje guardados em coleções particulares, aguardando a restauração, porém seus donos, que os compraram quando jovens, hoje já não têm mais a disposição de restaurá-los. Os modelos de quatro portas, por não terem os atrativos desejados, muitas vezes se tornavam doadores de peças para os irmãos mais raros. Assim, o que sobrava de suas carcaças era literalmente queimado nos fornos das siderúrgicas.
Em 1996 recebi a visita de um amigo que veio me contar que estava indo comprar uma carcaça de um Ford 1930 que era utilizado como galinheiro. O carro não tinha chassi, para-lamas, capô, era somente o corpo, e em péssimo estado. Eu o chamei de louco, mas acreditem, nesta época praticamente não existia outra opção. Mas sabíamos nós que ali bem perto, no Uruguai, a frota de Fordinhos modelo A de duas portas era enorme.
Este Ford 1930 passou por várias oficinas em uma odisseia que durou quase 10 anos. O bom gosto e a determinação do seu dono o transformaram em um dos mais lindos hot rods que já vi no Brasil. O carro recebeu até nome – “Bad Jack” – nas cores laranja com teto creme, motor Chevy 350, câmbio automático, duas quadrijet etc. Se você acompanha nossa revista certamente já sabe de qual carro estou falando.
Felizmente, no início do novo século, o Brasil foi agraciado com a entrada de várias carcaças de carros antigos vindos do Uruguai e da Argentina, repondo assim um pedaço da história que se perdeu pela ganância nas décadas de 1960 e 1970, com o derretimento de boa parte de nossa história para alimentar com ferro reciclado a indústria da construção civil.
Não dá para entender porque nenhum político se interessa em criar uma lei que facilite a entrada de carros antigos vindos dos países vizinhos do Mercosul. Isso ajudaria a reconstituir uma boa parte de nossa história. A preocupação em evitar a saída dos carros deveria ser dos países doadores e não nossa, que estamos recebendo de mão beijada um patrimônio histórico que se valoriza a cada dia.
Em 1996 não tínhamos ainda a cultura dos Rat Rods, que veio de maneira avassaladora a modificar a linha de pensamento daqueles que se aventuram a enfrentar o desafio de construir um carro. Antes dos anos 2000 ninguém pensava em andar com um carro antigo a menos que ele estivesse absolutamente restaurado, lindo, brilhando.
Acontece que o mundo todo foi envolvido em uma onda de saudosismo muito grande, e a ideia de encontrar um carro que ficou por anos guardado em um galpão, esquecido pelo tempo, passou a habitar as mentes de muita gente.
Assim, encontrar um carro desgastado, arrumar a parte mecânica e andar com o carro ostentando o desgaste causado pelo tempo passou a seu uma espécie de troféu. Tanto é verdade que muita gente passou a imitar a ação do tempo, através de técnicas de pintura envelhecida que muitas vezes surpreendem pelo realismo de seus efeitos.
Hoje temos várias oficinas altamente especializadas na construção e criação de hot rods. No final do século passado, a mão de obra não era tão especializada, dependíamos de uns poucos artesãos que se dispunham a enfrentar o desafio de restaurar e criar um carro.
A entrada da fibra de vidro como opção para carrocerias réplicas de antigos se deu também na década de 1990, e se deve à dedicação heróica de alguns poucos entusiastas, que enfrentaram muitos desafios e que hoje produzem cada vez mais modelos de carrocerias clássicas e que certamente irão garantir o futuro do movimento no Brasil. E mais a longo tempo certamente também em todo o mundo.
Assim caminha a humanidade, e nós vamos escrevendo a história dos hot rods no Brasil dia após dia. Estamos em 2016 e este ano teremos a primeira prova de velocidade em um lago seco de sal no Hemisfério Sul, prova esta que tem o apoio de um clube de hot rods brasileiro, o Curitiba Roadsters. Pela primeira vez o ronco dos motores irá acordar o condor em plena Cordilheira dos Andes. Daqui a 20 anos, quem sabe, alguma criança encontre um exemplar desta revista perdido em uma estante de livros usados qualquer, e folheando a revista quem sabe tenha a curiosidade de ler esta matéria. Espero que seu entusiasmo seja tão grande que a faça pensar em um dia construir um hot rod também.
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