Cultura: Kustoms ou customs?

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Com “k” a regra é mais rigorosa, tanto aqui quanto nos EUA; com “c” a ideia é valorizar o conforto e a felicidade do proprietário

Texto: Victor Rodder
Fotos: Divulgação

Kustoms ou customs?

No Brasil, quando falamos de hot rods, acabamos generalizando o termo, colocando tudo no mesmo saco. Hot rods, street rods, street machines, customs, kustoms… até lowriders. Mas, com a possibilidade cada vez mais real de legalização dos antigos personalizados, é necessário que haja maior conscientização, tanto dos proprietários quanto dos clubes e associações, já que, em breve, teremos que começar a avaliar e classificar as modificações feitas em carros antigos.

Seguir à risca o modelo norte-americano talvez não seja exatamente a melhor solução. Isso porque, até lá, no berço da hot rod culture, a discussão e a polêmica sobre carros personalizados é grande.

Falando mais precisamente sobre os kustoms, que inegavelmente são a minha praia e o tema que domino um pouco mais, ainda hoje há um grande debate sobre o que exatamente são “customs” e “kustoms” nos Estados Unidos.

Excesso de rigor

Há poucas semanas encaminhei para publicação as fotos do meu mais recente projeto para uma revista extremamente tradicional em kustoms nos Estados Unidos, o Pharaoh, que já pintou aqui nas páginas da Hot Rods. Em conversa com o editor sobre as especificações técnicas do carro, vi que eles são muito mais rígidos do que eu poderia imaginar.

Lá, os clubes de kustoms mais rigorosos são incondicionais quando se trata das características de seus carros. Qualquer carro que pretenda ser chamado de “kustom” deve obedecer a algumas regras bastante restritas. Em primeiro lugar, um carro kustom tradicional não terá absolutamente nenhum “billet”, nada em alumínio em qualquer parte do carro. A regra é que as partes do carro sejam cromadas ou pintadas.

As modificações na carroceria e no motor devem ser feitas de modo a homenagear o “look” dos carros que cruzavam as ruas da Hollywood Boulevard nas décadas de 1940 e 50. Todas as modificações devem ser executadas exatamente como eram feitas naquela época. Além disso, nenhum acessório ou modificação deve ser anterior ao ano do modelo do carro que está sendo kustomizado. Até mesmo as técnicas para cortar, raspar, seccionar e moldar devem ser cuidadosamente pesquisadas com minúcia e paciência.

Regras e proibições

Rodas de alumínio e magnésio, então, nem pensar. Devem ser usadas rodas de ferro ou aço, e calotas. Os pneus não podem ser radiais. Até a largura da faixa branca influencia. Os “white walls” deve ser “perfect period”, e pneus pretos, os “black walls” são reservados apenas para os carros das décadas de 30 e 40.

Por exemplo, um kustom da década de 60 terá sempre white walls com pneus estreitos, enquanto um da década de 50 usará pneus e faixas brancas mais largas. Todos os componentes de motor e transmissão devem ser do mesmo tipo disponível quando o carro foi produzido, ou dos anos imediatamente após a sua fabricação. Assim, nem pensar em colocar um small block Chevy ou uma transmissão 700R4.

Freios a disco, air bags e até sistemas de som digitais são “desclassificatórios”. Há ainda uma infinidade de outras regras. Se aqui achamos que os “Zé frisinho” do pessoal da placa preta são chatos, vocês precisam conhecer alguns desses caras da Kustom Car Culture dos EUA. Para que um carro mereça nota máxima na classificação dos kustoms, até a escolha do tipo de tinta, cor e materiais usados no interior e na costura dos bancos deve ser adequada à época de fabricação e customização.

Então, se você, assim como eu, almeja ter um carro que possa ser chamado de Kustom, com “K” maiúsculo, aqui e nos EUA, prepare-se para gastar horas em pesquisa.

O resultado vai valer a pena. Os carros que têm direito a esse tipo de “troféu” parecem ter escapado por alguma fenda no tempo. Recriações de um tempo em que os recursos, e até o design, eram determinados pelos limites da habilidade e ferramentas do customizador.

Eu, pessoalmente, venero os construtores e os carros desse tipo, especialmente porque, mesmo hoje, eu e muita gente boa por aí ainda somos incapazes de fazer o que eles fizeram lá atrás.

Para agradar o dono

Já o pessoal moderno, como seria de se esperar, aceita quase tudo e as modificações são feitas de acordo com o tipo de uso e conforto que o carro irá proporcionar a seu dono. Motores aspirados, combustível injetado, turbo ou supercharged. Não importa. E sinceramente, esses carros “customizados”, agora com “c”, não me parecem menos ofuscantes ao olhar.

São carros modernos, seguros, potentes e que não devem nada em estética aos modelos tradicionais, e que vão proporcionar um conforto muito maior na sua condução. Freios a disco, direção hidráulica, assistida com pinhão e cremalheira, ar-condicionado, portas com acionamento por controle remoto, assentos elétricos, pneus radiais… Claro, as rodas e calotas ainda são exigências.  Não pense que rodas personalizadas de 20 polegadas não serão dignas de desclassificar um carro. Para os “customs” o limite talvez esteja somente no saldo bancário.

A ideia é saber combinar técnicas e peças modernas com a estética certa. Mas acho que aqui, em terras tupiniquins, devemos valorizar mesmo aqueles carros que são construídos com esmero e, principalmente, os que são feitos por seus próprios donos, muitas vezes com um orçamento apertado, e que, mesmo assim, não são menos criativos ou admiráveis.

Queremos carros que rodem, e não que sejam meros caçadores de “capas” e troféus.

Customizar um carro, choppar, alisar, incrementar, deve mesmo ser feito à moda antiga, mas isso não pode ser uma regra tão rígida que depois te impeça de usar e fruir do seu carro. Viver a experiência de fazer e curtir um Kustom é muito mais importante que a opinião de quem quer que seja.

Vamos aqui valorizar os carros inacabados, os projetos em andamento, e o estilo de vida que motivava os customizadores dos anos 50. Vamos honrar a tradição mostrando que carros foram feitos para, antes de tudo, rodar, rodar e rodar!

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