Você pode nem querer montar um carro 100% de época, mas, antes de começar o trabalho, imagine qual seria o ano e a história do modelo
Texto e fotos: Aurélio Backo
A palavra tradição pode ser usada para qualquer coisa, até para hot rods. Para um “rodder fundamentalista”, um hot rod tradicional seria, sem dúvida, um Ford Roadster de 1927 até 1934, e sem para-lamas! O hot rodding se estabeleceu como esporte/hobby/cultura na metade final da década de 1940, após o fim da Segunda Guerra Mundial. Antes já havia pessoas alterando velhos carros. Mas, após o conflito mundial, havia uma grande efervescência econômica, uma vontade louca de recuperar o tempo perdido e muitos rodders jovens com conhecimento técnico adquirido nas forças armadas.
O carro escolhido
Os Ford Roadster de 1927 até 1934 eram os escolhidos naqueles anos dourados do hot rodding, pois eram baratos, abundantes e permitiam a adaptação de motores V8 (os Ford 32 até 34 já tinham esta opção de fábrica).
Os modelos de 1935 em diante eram mais pesados e maiores, dois detalhes para frear um hot. Comparando duas “baratinhas” de 1934 e de 1935 com motores V8, esta última pesava 61 quilos a mais. Outro detalhe subjetivo era uma característica construtiva dos modelo até 1934, na qual os para-lamas não eram integrados à carroceria e a retirada deles deixava o conjunto ainda harmonioso.
Isto não acontecia com os modelos mais novos, nos quais a retirada dos para-lamas deixava o carro com jeito de “está faltando alguma coisa”… Quanto ao modelo da carroceria, o roadster era o escolhido por dois motivos: era mais leve e era associado a carros de corrida (o que acontece até hoje, como mostram os
atuais Formula 1). Na época alguns rodders costumavam dizer: “Coupes are for chickens”. Ou seja, quem competisse com modelos fechados era chamado de medroso….
A mecânica
Até o modelo 1931, o único motor disponível embaixo do capô do Ford era um de quatro cilindros, que era alterado de todas as formas para fornecer mais potência. Com o modelo 1932, Henry Ford surpreendeu o mundo com a oferta de um motor V8 em um carro de baixo preço. Até então, esse tipo de motor era ofertado apenas em carros de alto preço. Foi preciso transcorrer alguns anos até que o novo motor da Ford fosse devidamente adotado pelos rodders.
Este tempo foi necessário para que o motor passasse a ser acessível em ferros-velhos e equipamentos de potência fossem desenvolvidos. Por tentativa e erro se aprendeu como modificar este motor fazendo-o chegar aos 300 HP, contra os 100 HP originais. Este motor, que viria a ser apelidado de “flathead”, era o mais utilizado nos hots do pós-guerra.
Mas os motores V8 da Cadillac, Oldsmobile e os Hemida Chrysler também eram uma opção usada na época. E eram muito mais avançados tecnologicamente em comparação aos flathead (e mais caros). A caixa de marchas usada era a do Ford 1939. Esta era uma caixa mais forte que as dos anos anteriores e tinha o acionamento por alavanca instalada na própria caixa. A partir de 1940, a alavanca de marcha era instalada na coluna de direção, algo mais refinado para a época e também liberava o assento dianteiro para três passageiros.
O eixo traseiro também era emprestado dos Ford após 1939. Este era chamado de “banjo”, pois tem a seção central em formato circular e, junto com o cardã encapado, lembram o dito instrumento musical.
Por fora
Na frente, a capa de radiador do Ford 32 era a escolha dos que montavam modelos de 27 até 32. Já as 33 e 34 usavam as grades originais… Os faróis dianteiros eram substituídos por modelos menores, pois os originais eram associados a carros “velhos”. Na traseira, as lanternas mais utilizadas eram as com formato de gota do Ford 1938. As lanternas redondas do Pontiac 1950 ou as retangulares do Chevy 1942 também eram uma opção utilizada. No quesito rodas, os aros originais eram substituídos por aros 16, que passaram a ser equipamento de linha dos Ford a partir de 1935. Mas os aros de aço estampados de 1939 até 1948 eram os preferidos, pois eram mais resistentes. Nestas rodas eram usadas as calotas pequenas dos modelos 1942 até 1947, ou os discos de alumínio da Moon, que cobriam todo o aro e melhoravam a aerodinâmica em alta velocidade. Se o carro fosse pintado, a cor predileta era o vermelho, mas qualquer cor de um carro novo da época era uma boa escolha. No caso do carro não ter uma pintura definitiva, a lataria seria coberta pelo “primer” vermelho óxido de ferro, ou o “primer” cinza.
Dentro do hot tradicional havia um volante banjo dos Ford 1937 até 1939, ou o volante de massa do Ford 1940, mais simples, mas não menos bonito. Os bancos e as laterais de porta originais revestidos em tecido seriam recobertos por vinil ou couro e a moda da época era usar o padrão gomado.
Hoje Basta uma olhada rápida nas revistas de hot rods ou na internet para ver que o estilo tradicional nunca esteve tão em voga. Hots originais de época são tratados como tesouros e alguns encontrados em mau estado são restaurados com o cuidado de mantê-los como haviam sido construídos inicialmente. E atualmente há quem monte hots usando apenas partes disponíveis até uma data limite. A intenção é ter certeza de que o carro seria 100% correto para certa data (só faltando a gasolina e o óleo da época…). Você pode não querer montar um carro 100% de época, mas fica o lembrete para evitar misturar elementos que não “conversam” entre si. Antes de montar um hot, imagine qual seria o “ano” e a “história” do seu modelo.