Para comprar um carro pronto basta ter dinheiro. Sonhar, elaborar, projetar um carro diferente e novo, e ainda transformar isso em realidade, isso sim é ser um rodder de verdade

Texto: Manoel G. M. Bandeira
Fotos: Divulgação

Ter um modelo especial na garagem é o sonho de todos que gostam de carros. Uma Ferrari, um Porsche, um Lamborghini, podem ser sonhos difíceis de alcançar, mas dependem somente de uma bela conta bancária, e não garantem em absoluto a exclusividade. Qualquer pessoa que se disponha a gastar uma pequena fortuna pode ter um carro igualzinho ao seu. Agora, um belo e reluzente (às vezes fosco e enferrujado) hot rod é, e sempre será, exclusivo. Mesmo que existam vários carros com carroceria igual à sua, os detalhes serão a grande diferença.

Você não vai andar a mais de 280 km por hora, nem vai fazer curvas como se estivesse em um Formula 1, mas vai desfilar glorioso pelas ruas da sua cidade sabendo que ninguém tem um carro igual ao seu. Esse pode ser o grande atrativo para aqueles que escolheram ter um hot rod. Mas ter um hot rod é muito mais do que isso. Quem já fez um hot vai entender o que quero dizer. E quando digo “já fez”, refiro-me a botar a mão na massa. Aquele rodder que procurou o carro, que andou pelo mato atrás de uma carcaça, pois ouviu falar que ela poderia estar lá, aquele rodder que catou uma peça aqui outra ali, e que não dormiu na noite em que achou o carro dos seus sonhos, quer seja um carro de chapa quer seja um kit de fibra de vidro.

A ele pouco importa todo o trabalho que terá pela frente. Quem já fez isso sabe que ter um hot na garagem e poder dar uma volta no sábado à tarde com um carro que há pouco tempo existia somente em seus sonhos, é muito mais do que ter um carro exclusivo. É um verdadeiro caso de amor. Comprar um carro pronto é, até certo ponto, muito fácil, basta ter dinheiro. Agora sonhar, elaborar, projetar um carro diferente e novo, detalhe por detalhe, e ainda transformar tudo isso em realidade, isso sim é viver um sonho. Isso sim é ser um rodder de verdade.

Carreteiras

O movimento Hot Rod talvez ainda não seja bem compreendido no Brasil. Afinal, trata-se de uma história recente. Será? Bem, na década de 50, quando o movimento Hot Rod explodia nos EUA, no Brasil tudo ainda era muito certinho. Mas, como sempre, alguém teve a brilhante ideia de bagunçar (no bom sentido) as coisas. Surgiram as carreteiras, que nada mais eram do que hot rods made in Brazil.

Como nos primeiros hots americanos, a preocupação com a estética era pequena, o que importava mesmo era o desempenho. Assim, nossos primeiros hots (as carreteiras, na foto acima) geralmente tinham a frente original dos carros substituída por partes novas, feitas a mão, como capô e para-lamas feitos de alumínio e sem preocupação alguma com a estética. Esses carros se destinavam quase que exclusivamente à competição em pistas de terra, o que nos faz pensar que, se alguém tivesse tido a boa ideia de regulamentar as corridas de modo a que não fosse permitida a modificação estética dos carros trocando peças da carroceria, seus donos poderiam ter utilizado os mesmos carros das corridas também em seu dia a dia, o que certamente teria mudado em muito a história dos hot rods no Brasil. E até mesmo na Argentina, onde este tipo de corrida também era bastante popular.

Apogeu e declínio

Na década de 60, as corridas nacionais mudaram um pouco e tiveram a adesão de carros esportivos europeus e também dos primeiros carros nacionais, como DKW, Gordini e Simca, afastando mais ainda a nossa realidade da época do movimento hot que também declinou na década de 60 nos EUA. Lá a queda se deu pelo início da fabricação, pelas grandes montadoras, dos chamados muscle cars, que eram considerados como hots fabricados pelas próprias montadoras. Assim, era possível comprar um carro zero km com desempenho equivalente ao de um bom hot rod.

Ainda podemos considerar que o movimento hot foi atingido na década de 60 por uma febre quase insana de futurismo, comandada pelos belos trabalhos de Ed Roth e George Barris, que fizeram escola mundo afora. O fato é que, no Brasil, não tivemos a forte ligação dos carros modificados com a cultura que vinha revolucionando a maneira de viver da época, e era chamada de juventude transviada. Até os anos 80, uns poucos e solitários aficionados por mecânica tiveram a iniciativa de alterar carros antigos no Brasil. Carros que eram oferecidos a preços baixíssimos na época. Estes heróis ou visionários trocavam a mecânica, ou parte dela, e procuravam adaptar itens mais modernos visando melhorar o carro para uso diário ou mesmo para curtir nos fins de semana. É claro que, na época, isso aconteceu sob forte pressão das críticas dos puristas e colecionadores, que não aceitavam que um carro fosse modificado.

Estilo de vida

Esta falta de ligação cultural provavelmente isolou, no Brasil, a parte relativa aos hot rods, do restante do movimento, que envolvia, além dos carros, um estilo todo próprio de viver e de se comportar. A música acompanhada dos carros é talvez a representante mais importante deste movimento, o rock and roll, rockabilly, até mesmo o jazz e o country, são temperos essenciais a qualquer reunião de rodders ou encontro de carros. Como complemento do estilo de vida Hot Rod, vêm os penteados, brilhantina e costeletas, a maneira de vestir, as tatuagens e, principalmente, as pin-ups, lindas mulheres que dão um colorido todo especial a este estilo de vida. Acontece que ainda estamos engatinhando na evolução dos hots no Brasil.

A grande maioria dos envolvidos está nessa por puro modismo. Hoje, muita gente investe seu rico dinheirinho em um “brinquedo” simplesmente para mostrar aos amigos. Não sabem da história e do porquê das coisas. O movimento Hot Rod é uma cultura que envolve, além de carros, tudo que é relacionado a uma época, coisas e atitudes que nos remetem diretamente ao período culturalmente mais rico na história moderna. Tanto é assim que, em todo o mundo, este período é conhecido como “Anos Dourados”.

Vai no embalo

Tem muita gente que “entrou na onda” porque viu em reality shows na TV a restauração e a customização de carros e achou bonitinho. Pesquisou na internet e encontrou anúncios pedindo rios de dinheiro por carros completamente podres. Aí o interessado pensa que, comprando o carro, já tem metade do seu hot. Pode até ter, mas o que irá gastar comprando o carro não é nada perto do que será preciso para terminar o projeto. É preciso ter consciência disso. Neste embalo pegam carona as oficinas “especializadas”, que cobram pela pintura de um carro moderno R$ 1.500 e a de um hot rod R$ 20.000, além do serviço de lataria. Aí é impossível prever o orçamento. Felizmente tem muita gente boa fabricando kits de réplicas em fibra de vidro, o que elimina o desgaste psicológico e o custo da restauração da lataria. Essa, sem dúvida, é a melhor opção para o crescimento do movimento.

Falta paixão

O ponto a que quero chegar é que está ficando praticamente impossível fazer um hot no Brasil. E isso acontece porque a cultura hot praticamente não existe. São alguns poucos alucinados que têm verdadeira paixão pelos hots. A grande maioria está interessada na moda, na valorização e no comércio dos carros. Tive a prova disso quando solicitei que todos aqueles que têm seu hot, que gostam de hot, que pensam em ter ou fazer seu hot, enviassem um cadastro para a revista, para que pudéssemos tentar organizar melhor o movimento, com atitudes que seriam benéficas a todos. Procurei deixar bem claro que não queríamos, nem eu e nem ninguém dos envolvidos, comandar nada. Que a ideia era unicamente a de unir, e da maneira mais democrática possível, decidirmos todos juntos o que fazer. Mas, infelizmente, o retorno foi extremamente pequeno, alguns poucos aficionados enviaram seus cadastros, a quem agradeço.

Mas inclusive pessoas que estão trabalhando fortemente para regulamentar os hots no Brasil, simplesmente não se manifestaram. Nem mesmo aqueles que nitidamente estão no meio para comercializar carros e ganhar dinheiro (nada contra), também nesta hora não apareceram.  Vamos continuar abertos ao cadastramento. No ano de 2012 enviaremos correspondência a todos os cadastrados. Quando atingirmos um número significativo de cadastros, quem sabe possamos fazer alguma coisa todos juntos. Talvez neste momento já seja proibido andar pelas ruas com carros com motores a combustão interna, a menos que tenham uma autorização especial, autorização esta que provavelmente será dada somente a carros de coleção (placa preta) ou quem sabe hot rods. Mas, para isso, precisamos trabalhar e criar um órgão de união nacional. Isso depende exclusivamente das atitudes de todos nós. Se você leu este texto até o final é porque gosta de hot rods.

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